Breve introdução
Guimarães Jazz 2024
33ª Edição
Em 2024, ano em que o festival cumpre a sua 33ª edição, o Guimarães Jazz vê-se, à imagem da própria música que representa, inevitavelmente confrontado com a circunstância do seu próprio peso histórico e com as vantagens e desvantagens que esse lastro representa quando equacionamos novas estratégias de programação. É inegável que os números e as estatísticas são úteis na tarefa de síntese e compreensão do passado; no entanto, considerando que os tempos históricos são feitos também de elementos impossíveis de quantificar, ambas as categorias se revelam mais problemáticas e reducionistas quando as usamos para medir o pulso ao presente ou antecipar o futuro, e a cultura contemporânea em particular parece ser especialmente afetada por esta visão “estatisticista” da realidade. Especificamente no caso da arte e da música, pode argumentar-se que a influência se mede em muito maior grau, pelo contrário, pela capacidade do artista, da obra ou do acontecimento cultural de criar ondulações no seu ecossistema por via de frequências que parecem invisíveis a olho nu, mas que influenciam os eventos de superfície. A reputação e a vitalidade do Guimarães Jazz advêm não apenas dos números que sustentam a sua história, mas da sua habilidade para captar essas influências e dessa forma promover uma relação imaterial entre os músicos e o público em que outros valores para além do estatístico são tomados em consideração. Este ano, como é sempre o caso no Guimarães Jazz, o elenco de projetos e artistas apresentados – não sendo necessariamente os mais conhecidos ou os mais favorecidos pela crítica mainstream – foi pensado exclusivamente no sentido de preservar esse pacto de confiança e, assim, defender a pertinência do jazz num contexto frequentemente marcado por processos e discursos hostis a um estilo musical que alguns consideram ultrapassado pelos acontecimentos e, sobretudo, pela evolução tecnológica. É, porém, a tarefa do festival contrariar essa narrativa pela afirmação de um jazz criativo e em sincronia com o seu tempo, bem como pela defesa da posição autoral do músico contra a tendência de automatização e, consequente uniformização, do ato criativo.
Em termos genéricos, podem salientar-se duas dimensões fundamentais do cartaz da 33ª edição do Guimarães Jazz. O primeiro, e talvez o principal, ponto de destaque do programa será, pela sua importância simbólica, a significativa representação de músicos portugueses neste programa – talvez o ano de maior presença do jazz nacional na história do festival –, um sinal de reconhecimento de que a realidade portuguesa mudou muito ao longo destes últimos anos e que a qualidade dos projetos e dos instrumentistas locais tem verificado uma evolução muito positiva. Por outro lado, outra das caraterísticas que é importante assinalar, esta no domínio mais formal ou estilístico, é a forte componente orquestral e a natureza comparativamente descentrada da tradição jazzística mais clássica ou purista da maior parte dos projetos musicais presentes neste elenco, isto apesar de se preservar um núcleo de concertos firmemente situados no perímetro da raiz afro-americana do jazz.
A abertura da 33ª edição Guimarães Jazz será protagonizada pelo quarteto liderado pelo poderoso trompetista Ambrose Akinmusire – de regresso a Guimarães oito anos depois de uma atuação memorável neste palco –, o qual se apresentará acompanhado pelo Mivos String Quartet, bem como por um quarteto composto por uma produtora de música de dança, um vocalista e um baterista, num formato heterodoxo e praticamente inédito que suscita grandes expetativas. Na primeira sexta-feira do festival será a vez de subir ao palco um quarteto inédito coliderado pela vocalista Sara Serpa e pelo guitarrista André Matos (ambos músicos portugueses com uma carreira no circuito jazzístico norte-americano que prestigia o jazz português), os quais surgirão acompanhados por um colaborador habitual (o experiente baterista Jeff Ballard) e por Craig Taborn, um dos grandes pianistas de jazz contemporâneos que valerá certamente a pena reencontrar. No sábado da primeira semana está prevista uma programação dupla: durante a tarde, no pequeno auditório do CCVF, será possível ouvir o prestigiado grupo de percussão português Drumming – um ensemble excecional de músicos que tem desenvolvido ao longo das últimas duas décadas uma obra impressionante de interpretação de reportório erudito e de fusão do mesmo com o jazz, que neste concerto se apresentará em colaboração com o pianista Daniel Bernardes numa revisitação e homenagem ao compositor György Ligeti, reconhecidamente um dos mais influentes do século XX; à noite, no palco principal do festival, apresentar-se-á o primeiro dos projetos puramente orquestrais desta edição: a reputadíssima compositora e arranjadora Maria Schneider, um dos nomes maiores do jazz orquestral da atualidade, regressa a Guimarães para uma revisitação retrospetiva da sua obra dirigindo a Clasijazz – uma orquestra andaluz criada recentemente e formada por um naipe de músicos competentes da cena jazzística espanhola.
Depois de uma primeira semana marcada pela diversidade de estilos e formatos, a segunda semana abrirá com aquela que é, pela dimensão colossal da sua obra e percurso musical, sem dúvida a grande figura de cartaz do Guimarães Jazz 2024 – o trompetista Wadada Leo Smith, um músico fundamental dos últimos cinquenta anos que, em Guimarães, se apresentará em quinteto para um concerto que se antecipa histórico. No dia seguinte, o público assistirá à atuação do trio liderado por John Escreet, um pianista portentoso e imprevisível cuja evolução e amplitude criativa justifica a sua atuação pela primeira vez em nome próprio neste palco, naquele que poderá ser um dos momentos altos do festival. A parceria entre o Guimarães Jazz e a Orquestra de Guimarães terá este ano honras de encerramento e merece também um destaque acrescido, não apenas pelo compositor que a irá conduzir e liderar – o macedónio Dzijan Emin, um músico ainda pouco conhecido mas com um percurso invulgar e extremamente original que irá previsivelmente surpreender o público com a sua fusão criativa de jazz e música tradicional dos Balcãs, uma das mais populares do reportório europeu de tradição folclórica, e que se apresentará acompanhado de oito músicos também da Macedónia –, mas também pela evolução extremamente positiva desta orquestra local, provando assim a pertinência das parcerias assumidas pelo festival com organizações e coletivos fora da sua órbita. Esta secção colaborativa do Guimarães Jazz completar-se-á com as já tradicionais colaborações com a Orquestra da ESMAE – este ano dirigida pelo quinteto do jovem pianista Tommaso Perazzo que, em 2023, junto com o baterista Marcelo Cardillo, o qual também fará parte deste grupo, causou fortíssima impressão em Guimarães acompanhando o contrabaixista Buster Williams, quinteto esse que será também responsável, como sempre acontece, pelas oficinas de jazz e pelas jam sessions. A Porta-Jazz propõe o projeto multimédia “Fissuras”, protagonizado por uma formação liderada pelo saxofonista cubano Hery Paz e complementada por uma componente de vídeo da responsabilidade da artista Maria Mónica; a Sonoscopia apresentará uma formação mais alinhada com o fenómeno jazzístico do que em edições anteriores – representado este ano pelo trio liderado pelo trompetista português Luís Vicente e com a participação especial de Camilla Nebbia, uma saxofonista argentina emergente do jazz europeu contemporâneo; e, finalmente, o João Rocha Quartet, que conquistou os prémios de Melhor Ensemble e Melhor Arranjo da edição de 2024 do concurso de jazz da Universidade de Aveiro, e o qual terá a curiosidade adicional de ser desta vez protagonizado por jovens músicos que já atuaram no Guimarães Jazz integrados na Orquestra da ESMAE.
Ivo Martins
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